09 Mai 2014
Juan Antonio Martin Rivera é porta-voz da guarda civil em Melilla, e ele fez dos 11,5 quilômetros de barreira que separam o enclave espanhol do Marrocos uma ciência. Pelo seu escritório, passa uma procissão de jornalistas, hoje coreanos, amanhã chilenos. Martin é simpático e paciente. Toda vez ele pega uma folha de papel, desenha um semicírculo a caneta, marca com retângulos os quatro postos alfandegários que, para ele, são também pontos de fragilidade. Depois dispara, certo de seu efeito: "Não é a fronteira da Espanha, é da Europa".
A reportagem é de Elise Vincent, publicada pelo Portal Uol, 08-05-2014.
Faz vinte anos que as imagens de imigrantes correndo para o muro de ferro de Melilla constituem provas da "pressão migratória" para os partidos populistas e sinais que denunciam "a Europa fortaleza" para os defensores dos estrangeiros. Vinte anos – a primeira invasão foi em 1993 – que essa tripla barreira foi reforçada (com arame farpado e câmeras) e elevada (de 3 metros em 1999 para 6 metros em 2005). Então, com a aproximação das eleições europeias, Martin está mais do que nunca encarregado de mostrar que, depois de todo esse tempo, esse trabalho serviu para alguma coisa.
Para isso, ele dispõe de um assistente que de picape mostra para os visitantes toda a "valla" (cerca, em espanhol), mesmo que não lhe peçam. Este conhece de cor os pontos fotogênicos de onde se vê o muro serpentear até o mar, e com o braço esticado indica onde os imigrantes recentemente ficaram dependurados durante várias horas. Para os operários que estão acrescentando uma grade à já apertada malha, ele insiste que não deverá ser possível passar nem mais um dedo por ela.
Homens na faixa dos vinte anos
A fronteira de Melilla vem passando por uma nova onda de "ataques". Desde janeiro, mais de 1.300 imigrantes conseguiram saltar a barreira. No entanto, a partir de 2005, as entradas passaram a ocorrer a conta-gotas. Os imigrantes se escondiam em carros ou passavam pelo mar, a bordo de embarcações improvisadas. Somente 600 a 1000 deles conseguiam a cada ano. Em 2011, houve somente um "ataque" de 63 pessoas. Praticamente nada, comparados com as 20 mil a 50 mil entradas em Lampedusa e na fronteira entre a Grécia e a Turquia. Somente jovens na faixa dos vinte anos arriscam a escalar o muro de ferro do enclave de 12,3 quilômetros quadrados.
Em Melilla, longe da fronteira, a vida é quase tranquila, de costas para o muro. A cidade é composta sobretudo de prédios feios espalhados. Lojas antiquadas vendem vestidos de dona-de-casa. Algumas ruas do centro da cidade ainda são cercadas por prédios art déco e sacadas de ferro forjado. No dia a dia, os subsaarianos não passam de imagens folheadas nos jornais matinais.
Foi por acaso que o "Le Monde" assistiu a um de seus "ataques", no dia 24 de abril. Da centena de imigrantes que tentavam atravessar a barreira naquele dia, somente vinte escaparam da polícia. O objetivo era sempre o mesmo: alcançar o centro de acolhimento temporário (CETI), situado a poucos metros da grade. Lá, a lei espanhola protege da expulsão. Então é como se estivessem correndo na direção de uma linha de chegada, com o torso para frente, nesse dia 24 de abril, cercados por uma torcida que grita: "Vitória! Vitória!"
Na nona tentativa
O CETI é um prédio aberto de 450 lugares onde os imigrantes recebem comida e alojamento. Para todos, aqui é a verdadeira porta de entrada da Europa. Depois de um a seis meses, eles são transferidos para a península espanhola. Por causa do estado de saúde deles ou das dificuldades de reconhecer sua identidade, menos da metade são deportados. Os outros prosseguem viagem. Então muitos preferem não se afastar do CETI por medo de que algum incidente, ainda que mínimo, com um espanhol, comprometa sua transferência. "O que vou fazer lá?", pergunta Vincent, um camaronês de 26 anos que mata tempo à sombra de uma mureta mostrando ao longe o centro velho de Melilla.
Existe também uma mistura de temor e de empatia entre os melillianos. Na orla marítima, José Maria Lopez Rodríguez, caminhoneiro aposentado, todo dia finca seu guarda-sol vermelho ao lado do mesmo banco: "O problema não é a barreira. Mesmo com 20 metros a mais, eles a ultrapassariam. A Europa só deixou a África sozinha com suas misérias". "Todos eles querem ir à Europa, o único problema é que eles têm doenças", justifica, em voz baixa, o garçom de um café atrás da prefeitura.
Somente alguns poucos imigrantes se aventuram no centro da cidade. Eles ajudam a estacionar os carros, empurram carrinhos na saída do supermercado, se abrigam embaixo da sombra nas horas de calor. "Señora, limpieza?", oferece Fokou, de 24 anos. Todos os dias ele lava os carros na praça central de Melilla. Ele deixou o Níger três anos atrás. Por oito vezes em dois anos ele tentou passar a barreira, e conseguiu na nona tentativa, em março.
Um campo de golfe junto à barreira
É principalmente na praia que os imigrantes cruzam os melillianos, mas é raro eles se misturarem. Existe uma equipe de futebol do CETI, para qual se é selecionado de acordo com as chegadas e as transferências para a península. Mas mesmo assim, durante as partidas, a divisão das arquibancadas entre espanhóis e imigrantes valeria como uma fronteira. Para encontrar melillianos, resta a mesquita. "Boa sorte!", grita um dos fiéis, nessa sexta-feira (25), após a oração.
Em vinte anos, os imigrantes não deixaram praticamente nenhum vestígio em Melilla. Somente dois deles teriam se instalado ali, e eles fogem da imprensa. Mesmo os mortos da "valla" foram esquecidos, aqueles que passaram sobre o arame farpado ou foram empalados. No cemitério muçulmano situado ao pé da cerca, o imame mal sabe onde se encontra o túmulo de sete deles. Lá, há um "malinês que caiu em 2002", acredita. Aqui, um "iraquiano". Uma única história parece tê-lo comovido: a de uma jovem doente de 24 anos, morta em maio de 2013, três semanas depois de sua chegada.
A escassez do território parece mesmo ter banalizado todos os contrastes em Melilla. Em 2008, um campo de golfe foi construído junto à barreira, a 50 metros do CETI. Os imigrantes costumam atravessá-lo correndo, de pés descalços, ensanguentados, até o centro. "Eu trabalho, pago impostos, por que devo me desculpar por jogar aqui?", diz um golfista. Melilla é "a rota da resistência e da força mental", resume Vincent, o camaronês.
A perspectiva de uma transferência por balsa até a península vale todas as humilhações. Na noite de 23 de abril, o momento tão esperado finalmente chegou para sessenta deles. Cada um deles vestiu seu abrigo mais bonito, seu melhor boné. Para chegar até o porto, o grupo de felizes escolhidos precisa atravessar a cidade. Alguns arrastam uma pequena mala. Uma longa avenida os leva então até o mar. Uma placa indica seu nome: Avenida da Democracia.
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Em Melilla, os fantasmas da imigração na Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU